domingo, 5 de junho de 2016

O VLAD QUE CONHECI - O FILHO DO PAI (parte 5)



A relação de Vlad com meu pai era muito especial, mas devo dizer que meu pai amava demais os filhos, era um paizão apaixonado e completamente seduzido por todos nós. Escrevi sobre ele nos posts  A Luta Continua Companheiro  , que foi a minha despedida depois da sua morte; e  Entre Netos e Cachorros , um post em homenagem ao Dia dos Pais. A forma de ser irreverente e inconformada do nosso pai, explica muito do Vladimir que todos conheciam, vale a pena ler os dois posts citados. 

Vlad nasceu no Rio de Janeiro em 62. Um primeiro filho amado, desejado, lindo e leonino. Ele era o centro de tudo. Meu pai tinha uma mania de colocar apelidos nos filhos, e Vlad inaugurou isso, ele era o "Homão", sim, o aumentativo de homem. Pra vocês terem noção de quanto esses apelidos eram fortes, meu filho caçula quando tinha uns 5 anos, teve que fazer um trabalho na escola sobre a família, foi quando descobrimos que ele não sabia o nome verdadeiro do tio, pois ele escreveu com ajuda da professora, na lacuna do nome do tio, "Almão". Eu perguntei pra ele como era o nome do tio, ele respondeu: "Almão", e ficou espantado com a novidade dele se chamar Vladimir.

Vlad era um orgulho imenso de Jair de Brito. Ele amava saber que Vlad estudara Economia, e que discutia política. Embora tivessem opinões contrárias em quase tudo nesses aspectos, eles tinham muitas coisas em comum, e a maior de todas: o gosto pela polêmica. Eram polêmicos por natureza. Amavam uma discussão acalorada sobre temas políticos. Amavam discursar e serem escutados. Adoravam provocar discussões. Eram muito parecidos nisso. Esse era um universo masculino na nossa família, não lembro da nossa mãe, ou das minhas irmãs, gostando disso. Eu não suportava, a polêmica me cansava, mas eles se divertiam.

Quando Vlad sofreu o acidente que quase o matou, (contei sobre isso na parte 3 dessa sequência de posts), vi o quanto um pai pode sofrer por um filho. Meu pai urrava de dor. Chorava alto pelos corredores do hospital. Nunca imaginei ver meu pai naquele estado um dia, ele não suportou ver o filho na UTI, meu pai não aguentou a dor de saber que o filho poderia não ser mais o mesmo depois que saísse do coma, e não suportou a possibilidade de perder o filho. Nossa mãe sofria quieta, calada, contida ...., nosso pai se desmanchava em dor. 

Vladimir tinha um defeito imperdoável, uma mancha que meu pai preferia não ver, ou que ele não entendia onde havia errado: Vlad torcia para o Bahia, o arquirrival do Vitória, time do meu pai. Esse tema era delicado, um sacaneava o outro na medida que os times subiam ou desciam no campeonato baiano, mas essa rivalidade era compensada pelo amor em comum pelo Botafogo. Ambos torciam e sofriam juntos pelo Fogão. Essa era uma compensação que meu pai aceitava e que oferecia algum tipo de conforto pela traição no Campeonato Baiano.

Os dois amavam um bom papo, mas acima de tudo, uma boa polêmica. Gostavam de cerveja e futebol. Gostavam de uma mesa de bar, eram populares, daquele tipo que todos conheciam. Adoravam discutir política e economia. Os dois eram excelentes leitores, liam jornais e livros, além de revistas semanais. Eram parceiros a distância em muitos temas. Discutiam sobre tudo até algum cansar e se retirar. Os dois eram bons nisso também, saiam das situações ou davam limites aos que tentavam invadi-los, com maestria. Os dois gostavam da solidão. Eram livres das obrigações sociais, e as atendiam apenas quando "tinham saco" para isso.

Pressenti a morte do meu pai, sabia que esse dia estava chegando, embora ele não estivesse doente. Morava nos EUA nessa época, fui ao Brasil um mês antes do meu pai morrer, fiquei uma semana com eles, sabia que era uma despedida, quando me despedi do meu pai com um beijo na testa, ele estava deitado na rede, eu sabia do fundo do meu coração que aquele seria meu último beijo nele em vida. Escrevi pra Vlad alertando-o sobre minha intuição, já que nós éramos os filhos que moravam fora. Eu disse pra ele que ele desse mais atenção ao velho, pois eu sentia que nós o teríamos por pouco tempo. Vlad não alimentou essa conversa, achou que era "viagem" minha. Um mês depois, sou acordada por um telefonema de uma irmã, que avisava da morte dele.

Viajei para o Brasil naquela noite, cheguei a tempo do fim do funeral, e para me despedir do nosso pai....Vlad que tinha ido de SP, me abraçou e disse: "bem que você me avisou, minha irmã...". Ele estava destruído, todos nós estávamos. Perder nosso pai, foi uma dor imensa. 


Pouco tempo depois da morte do nosso pai, Vladimir recebe o diagnóstico de câncer no fígado. Conversamos sobre a doença, dentro do limite que ele me oferecia, mas como meu marido havia lutado contra o câncer alguns anos antes e se tratado em São Paulo, ele algumas poucas vezes me deu liberdade (pouca) para conversarmos sobre a nossa experiência nisso.

Na época eu pensei o quanto o universo era perfeito por ter tirado meu pai da terra a tempo dele não saber que o filho estava doente, e que sofreria muito com o tratamento que se seguiria. 

Quatro anos após, no funeral de Vlad, vendo minha mãe tão pequena e fragilizada, agradeci mais ainda ao universo que meu pai não estivesse ali, e sim do outro lado....esperando Vlad para mais uma discussão, agora sobre a queda de Dilma e do PT.





3 comentários:

  1. Estou me envolvendo emocionalmente, pois por incrível que pareça esse capitulo me é muito familiar. Vivenciei muito essa fase: HomãoxCompanheiro.
    Continue. Amando!!

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  2. Professor Vladimir sempre exigia de seus alunos a leitura, seus trabalhos eram exigidos no mínimo 20 folhas já para nós fazer explorar as explicações e histórias.

    Ele foi o único professor que conheci que ao dar a matéria para a prova já dava na hora a pergunta e na mesma hora já respondia então quem estava atento com caneta na mão sempre se dava bem nas provas. As perguntas eram boladas nas explicações das matérias. Isso era o máximo. Já sabíamos o que nós esperávamos nas provas. 😄

    Meu primeiro 0 na faculdade foi ele quem me deu março de 2011 primeira prova dele. Sentado em sua cadeira com 60 provas na mesa me chamou pelo nome completo e falava - A senhora não tem vergonha de tirar zero? ( fez isso com todos que tiraram zero acho que uns 20 )
    Com toda vergonha do mundo daquele dia em diante prometi para mim mesma que nunca mais tiraria 0 foi aí que nunca mais perdi uma aula dele uma explicação nada. Todas as aulas dele a sala era lotada. Todos o amava.

    E suas gospidas, ele falava tanto que tinha hora que gospia e pedia perdão falava que tinha acertado a moça lá atrás kkkk.

    Um dia sua prova estava muito difícil e ele sabia que a sala não ia se dar bem. Final de semestre se não tiver enganado nosso último oitavo semestre preste a se firmar.

    A matéria estava dada mais ninguém compreendia o assunto.
    As respostas estavam na apostila mais a prova não era com consulta

    Então chegou o dia da prova todos apreensivos com medo.

    O Baiano entra na sala distribui as provas e avisa a sala.

    Eu vou tomar água e volto daqui a pouco vou sair fechar a porta. Não quero que ninguém cole entendido? E riu
    ( ele achou uma maneira de colarmos sem diretamente ele ter deixado )

    Naqueles minutos em que saiu todos fizeram a prova sobre a cola e apostilas e fechamos o semestre na matéria dele com uma ótima nota.


    Vladimir ficará na história seu blog tem que virar um livro

    Eterno Baiano.

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  3. Leio cada post! E sempre fico ansiosa pelo próximo... #saudadesamadoprofessor

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Sempre leio todos os comentários e gosto muito de recebê-los!