quarta-feira, 10 de junho de 2015

FUI ASSEDIADA E NÃO FIZ NADA


As mulheres nos países árabes tem um lugar sabidamente inferior aos homens. Essa é uma sociedade machista e patriarcal. As mulheres estão sempre sobre a tutela de algum homem. Elas pertencem aos pais enquanto crianças, e depois, quando casam, pertencem aos maridos. Essas mulheres torcem para ter filhos homens, porque assim, continuarão sendo tuteladas, protegidas por alguém por toda a vida.  No meu visto e na minha identidade árabe, consta que tenho um "sponsor", meu marido é responsável por mim aqui. 

Um dia, em um vôo,  vi um casal de irmãos brincando, o menino tomou o brinquedo da menina e bateu nela. Ela chorando olhou para a mãe que os acompanhava, que a pegou no colo consolando-a, o menino continuou satisfeito em posse do brinquedo que ele tomara. Essa é a metáfora correta para esse país. As mulheres podem até chorar quando violadas, mas só isso. Elas não tem muitos direitos, e correm o risco de virarem culpadas, quando são vítimas. O melhor é aprender a engolir o choro. 

Li sobre uma mulher que foi condenada a morte, por ter conseguido se defender de um estupro, matando o agressor. Ela foi pra forca. Vi uma mulher apanhar no meio na rua, em frente a um banco, onde o vigilante do banco olhava tudo, sem nenhuma reação. Vejo mulheres cobertas de preto todos os dias, e a justificativa para essa roupa é que serve para protegê-las!!! Protegê-las dos homens! Os mesmos homens que legislam e julgam. As mulheres são culpadas por "default". Elas são culpadas por serem mulheres. A corda sempre partirá no lado mais fraco, e aqui, o lado feminino é de longe o mais fraco.

Ontem eu fui assediada. Estava com umas amigas em uma loja de departamentos bem grande, e fui sozinha para o andar superior, que é proibido para homens desacompanhados, é o que eles chamam de "family only", homens podem entrar, desde que estejam acompanhados de sua família. A criação desses espaços visa proteger as mulheres. Subi sozinha, minhas amigas viriam em seguida, nem pensei na possibilidade de que estaria correndo algo risco. Eu estava vestida de preto como deve ser e em uma área que é destinada as mulheres e famílias. Entretanto me deparei com um homem árabe, vestido com aquelas roupas brancas, ele veio na minha direção, não me senti ameaçada com a aproximação, por isso não tive uma atitude defensiva. Ele segurou as minhas mãos, e por segundos eu fiquei paralisada e nada fiz. Ele segurou com firmeza e falou coisas em inglês e árabe, não entendia direito, mas entendi que estava sendo assediada. Tudo aconteceu em alguns segundos...tudo é muito rápido...consegui me desvencilhar e corri ao encontro das minhas amigas no andar inferior, ele me seguiu na maior tranquilidade, com a tranquilidade comum aos que sabem que nada vai acontecer a eles.

Saimos da loja. Chegamos até a brincar com o que aconteceu, mas a ficha foi caindo aos poucos. Sinto no meu corpo e na minha alma, uma dor que não é só minha, sinto uma profunda conexão com as mulheres que são vítimas de violência todos os dias no mundo. Meninas que tem seus clitóres extirpados, mulheres que sofrem violência domésticas pelo mundo afora, mulheres vítimas de estupro que são acusadas de terem buscado isso ao se vestirem de forma inapropriada.... mulheres que são desqualificadas, desrespeitadas, violadas, estupradas e que nada podem fazer. 

Eu não consegui fazer nada. Aquele homem sabia que eu não iria fazer nada. Meu corpo dói, e minha alma, mais ainda. "

"Woman is the nigger of the world", já diagnosticou John Lennon muito tempo atrás.





terça-feira, 2 de junho de 2015

ELA SEGUIU O DESEJO



Hoje quero usar o espaço do meu blog para homenagear uma amiga que faz aniversário. Primeiro preciso dizer que apesar de termos uma imensa conexão e carinho uma pela outra, nunca a encontrei pessoalmente.

Nós duas vivíamos momentos de muita dor quando nos conhecemos em um grupo virtual de pessoas que tinham parentes com câncer. Nosso encontro foi inundado em dor e  em esperança. Era um grupo  em que nossas dores, medos, inseguranças eram acolhidos e entendidos por pessoas que passavam ou já haviam passado por situação semelhante.

Fiz amigos queridos nessa época. Nós nos chamávamos de "amigas de infância", embora nunca tenhamos nos encontrado. Eu morava na Bahia, ela no RJ.  Chamávamos o câncer de "meleca de doença", e ríamos em meio a dor das perdas, e em meio as lágrimas da esperança. Ficamos amigas....amigas de infância.

Certa vez fui ao Rio para um congresso de psicologia, e ela tentou me achar no aeroporto, nos desencontramos em meio a engarrafamentos, e celulares descarregados. Não era pra ser.

Sempre a imaginei como alguém de extrema maturidade e responsabilidade. Ela é filha única e perdeu os pais para a "meleca da doença". É uma pessoa que cuidava de si mesma, e assumia suas responsabilidades sozinha, assim como as consequências das suas ações. Ela sempre alto-astral, não reclamava de nada, a não ser do latido do cachorro do vizinho que a acordava cedo nos fins de semana. Cris se bancava e era dona da vida e " do nariz" dela.

Um dia ela me disse que precisava conversar comigo, queria tomar algumas decisões, e eu não imaginava do que se tratava, mas ela adiantou que estava num dilema entre seguir o sonhos que seus pais haviam tido para a vida dela, ou seguir seus sonhos e desejos. Ela queria ouvir minha opinião.

Não entrarei em detalhes sobre seus projetos ou sobre as mudanças que ela pretendia naquela época, mas posso dizer que ela as fez!! Ela mudou! Ela foi atrás do seu desejo, da vida que ela sonhava, dos desejos que ela tinha pra si mesma. Ela fez o que a maioria das pessoas passam a vida desejando fazer. Ela fez aquilo que os outros podem achar que foi loucura, ela trouxe os desejos para o nível real e os vive agora.

Nada na vida é de graça, e não sabemos quanto tempo teremos para viver essa vida, mas o fato é que minha querida amiga de infância seguiu seu coração e arca com todas as dores e delicias de ser quem ela é.
Mas não é pra isso que estamos aqui?

Parabéns minha amiga!
Parabéns por você se responsabilizar por si mesma e seguir seu coração!
Feliz aniversário! 
da sua amiga de infância que nunca te viu, mas que sempre te amou.