domingo, 7 de setembro de 2014

A ESTÉTICA DA OPRESSÃO

primeira abaya

As mulheres árabes devem usar Abayas e Hijabs. As abayas são as túnicas pretas, e os hijabs são os véus. Na região em que moro, a imensa maioria das mulheres, sequer mostram seus rostos, deixando "livres" apenas seus olhos, em muitos casos cobrem até mesmo os olhos.

Para onde olhamos, podemos ver mulheres de preto. Não sabemos se são jovens ou velhas, magras ou gordas. Não temos idéia de como elas se parecem. Apesar das explicações, não consigo entender como gerações e gerações de mulheres, podem viver assim, sob esse manto negro, mas nem quero discutir isso. Sempre digo que esse é um problema que não é meu, se é que isso é um problema. 

As mulheres estrangeiras tem a permissão de não usarem os véus, entretanto não podemos sair as ruas, sem nossas "queridas" abayas. O meu primeiro impacto foi de estranheza, não me reconhecia naquilo, mas não me senti ofendida ou oprimida pela roupa, entendi que aquilo não me pertencia, e que eu estava apenas obedecendo, como convidada,  as regras da casa. Entretanto me peguei sendo irônica com aquilo que chamei de "a coisa preta".  Achei que brincar com esse tema, seria uma forma de manter a individualidade, diante da tentativa clara de extirpar da mulher qualquer direito de individuação, transformando-as em algo sem identidade ou expressividade. 

a monotonia do preto

Adoro observar pessoas, e observando as mulheres árabes pude perceber, que mesmo aquelas que tem os olhos "livres", não os usam livremente. Tentei imaginar o quanto eu olharia se os meus olhos fossem minha única conexão com o mundo externo. Pude até imaginar um personagem de um livro de Ziraldo que olharia tudo e que nada escaparia a sua observação. Imaginei que assim eu seria, se só tivesse olhos, com eles eu falaria. Mas não é isso que acontece. Elas não olham, a sensação que tenho é que os olhos também foram adestrados e perderam a espontaneidade. Parece que perderam a vivacidade e a curiosidade.  

os detalhes

Depois de algum tempo usando abayas, voce descobre que elas tem um lado bem prático. Quando você vai sair, não precisa se preocupar com a roupa, apenas com brincos, bolsa e sapatos. A vida fica mais simples. Depois de algum tempo, você descobre que não precisa colocar nada embaixo por que isso não fará diferença alguma, e por incrível que pareça, isso fica até engraçado.

Mas um dia me deparei com a MUTAWA. Para imensa maioria das pessoas que lerão esse texto e que nunca ouviram falar disso, mutawa é a polícia religiosa. Ela existe para reprimir manifestações que podem ferir o Alcorão. Um desses policiais passou por mim, que estava com algumas amigas, e nos ordenou que cobríssemos a cabeça. Parecia uma cena de filme, mas eu não senti nada. Não senti medo, nem respeito, não senti nada.
Eu não tinha lenço, não havia levado, embora as recomendações sejam de levarmos o lenço para caso eles apareçam. Na verdade, acho que levei lenço na bolsa, nas primeira vezes que sai aqui, depois esqueci disso completamente. 
a primeira manifestação 


É claro que se um policial me parasse e exigisse o lenço, eu não teria nenhuma reação contrária, eu compraria um e o colocaria. Mas não foi o caso. Ele andava, nos viu, não mudou o ritmo acelerado dos seus passos, ordenou e continuou andando. Não obedeci. Não achei que ele realmente quisesse isso, já que não ficou pra ver. Percebi que aquilo não era comigo. A opressão só funciona de verdade, com os que já são acostumados a serem oprimidos. Eu demorei a reconheca-la, ela não faz parte de mim. O medo e a opressão não fazem parte da minha história. 

modelitos diferenciados






Não estou aqui querendo dizer que desobedecerei regras. Tenho maior facilidade em obedece-las. Isso é tranquilo pra mim. Desde que a minha integridade e individualidade não sejam feridas, e não sinto que estão sendo. Estou nesse país por que quis. Poderia não ter vindo. Essa é uma regra da casa, e eu a obedecerei sem problemas. Mas sinto que posso me divertir com isso. Resolvi bordar flores na minha primeira abaya que era totalmente preta, e agora tenho experimentado ousar nos modelos, com brilhos, decotes estampados, mangas com transparências, cores nos detalhes...e por aí vai. Se a polícia mandar (de verdade), vou colocar o lenço e obedece-la, mas enquanto isso... vamos brincar um pouco! 
Eu



O " Eu" pode e deve existir, apesar de tudo. Não é mesmo?