quinta-feira, 2 de junho de 2016

O VLAD QUE CONHECI - O ESTRANHO (parte 4)


Esse post faz parte de uma sequência, leia os que vieram antes, só assim será possível entender essa história....

Depois do acidente de Vlad, que contei no post anterior, uma pessoa estranha surgiu para nós da família. Hoje, como psicóloga e como pessoa adulta, posso entender melhor, a imensa dificuldade e dor que ele viveu, as perdas foram imensas. As pernas que nunca mais serviriam para o futebol, a voz que ficou arrastada, a pausa no auge da vida, pais extremamente ocupados com seus trabalhos exaustivos para notar que algo de muito errado estava acontecendo. Nenhum investimento em cuidar dos sentimentos dele. Não lembro de nenhuma atitude que pudesse nos levar a um caminho amoroso ou de encontro. Ele era apenas um jovem de 20 anos, com certeza precisava de mais ajuda do que as que os médicos poderiam dar.

Tenho certeza de que esse foi um período de exclusão para ele. Ele reagiu contra nós, e não posso condená-lo. Morávamos em um lugar que odiávamos. Saímos do bairro que crescemos, e mudamos para um bairro feio e longe de tudo que conhecíamos. A lembrança que tenho desse período é como estivéssemos em um barco afundando, e o lema era: "salve-se quem puder". Não lembro de ninguém feliz nessa época. Para ser sincera, eu me retirei da família, já havia mergulhado no yoga, meditação, estudos e trabalho, fui cada vez mais fundo, como uma sobrevivente de um naufrágio ... não lembro nem das minhas irmãs. Vlad fez o mesmo. Éramos uma família de 6 pessoas, cada uma isolada da outra... sobreviveríamos ao naufrágio, mas em ilhas separadas.

Vlad voltou-se de forma muito agressiva contra todos nós, levei anos para entender o que estava acontecendo, e enquanto não entendia, reagia com violência também. Nossa família era um palco de desencontros, brigas e distanciamentos.... Quando os sentimentos não são cuidados, são empurrados para debaixo do tapete, em algum momento toda a estratégia de defesa e organização, caem por terra, o que sobra é a dor, a mágoa, as faltas e as lembranças.

Meu irmão tornou-se, para mim, um homem grosseiro, sarcástico ao extremo e rude. Eu não devolvia com flores o que ele me ofertava, nossa relação era extremamente belicosa. Ofensas dos dois lados. Briga e separação. Não fomos fáceis um para o outro. Tínhamos palavras duras e ofensas prontas. Não consigo lembrar de nada bom e leve dessa época. Éramos dois titãs em guerra. Uma queda de braço poderosa se estabeleceu entre nós dois. Leonino e Capricorniana em guerra. Salve-se quem puder.

Adoraria mentir e dizer que nossa família era linda, mas não era. Era uma família normal e com muitas dificuldades para lidar com os sentimentos. 

Já morávamos em um outro lugar e amávamos. Essa mudança nos fez algum bem. Nesses anos, eu estava completamente envolvida com a universidade, e ele também. Ele conseguira sua vida de volta, mas para nós da família, sobrava muito pouco dele, e nem sei se o queríamos. Vladimir tornou-se um incomodo. Viver longe dele era um alívio. A saudade do que ele havia sido um dia, permaneceu, mas acho que agradecíamos quando ele não estava. Mas na verdade, éramos ilhas distantes uma da outra.....

Casei antes de completar 22 anos, ou seja menos de 4 anos após seu acidente, fui embora viver minha vida....
Ele formou-se, e foi embora.... 

... e nunca mais voltou, exceto para as férias e por alguns períodos curtos, mas infelizmente, ficou claro que não existia lugar para ele naquela casa.  Apenas meu pai amava quando ele estava em Salvador, mas para nós, tudo ficava meio caótico quando ele chegava. Ele fumava muito, ele não se relacionava conosco, ele era um estranho. Sua vida social era rica. Saía muito, mantinha os amigos, víamos a vida dele através de um abismo que nos separava e que era intransponível. Em família, ele apenas conversava com os sobrinhos, com meu marido e com nosso pai. Eram as pessoas que o escutavam e que conversavam sobre futebol, economia e política. Nós, as irmãs, eram estranhas .... ele era um estranho para nós. 

João e Maria se detestam quando estão próximos....se amam na distancia...


Sabíamos da sua vida em São Paulo, pelo mundo virtual....primeiro o Orkut, onde foi criado uma comunidade de alunos do "baiano", adorávamos ler as histórias que eles contavam sobre nosso irmão. Mais tarde o Facebook.... passamos a acompanhá-lo virtualmente. Isso era extremamente excitante, pois um Vlad lindo e amado nos era mostrado por estranhos. Um Vlad que lembrava os áureos tempos.....

No próximo post, conto sobre a morte do nosso pai, e sobre a descoberta da sua doença. 






8 comentários:

  1. Sobreviventes!Jamais esquecerei quando ouvi na época que fazia terapia com você,esta palavra com este significado tão profundo,que foi importante pra mim naquela época para entender o caos que vivi e perdoar a mim mesma e aos meus.Era o que dava pra ser,era o que se podia ser....SOBREVIVENTES!

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  2. Mal posso esperar pelo próximo capítulo ❤

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  3. Wow...Que história forte e tocante! Impossível não se identificar com muita coisa aí....emocionada e ansiosa pra ver os próximos posts. Vc é admirável, Ludmila. E seu irmão não poderia ser diferente! Grata por dividir tanta emoção conosco! ❤️🙏🏻😑

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  4. Que linda e emocionante história e muito obrigada por dividir ela conosco....emoção a flor da pele....não vejo a hora do proximo post ❤❤❤

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  5. Estou adorando as histórias, não pare por favor...

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  6. Estou ansiosa para ler o próximo post, obrigada por compartilhar conosco sobre a história de vida do Vlad, sem dúvidas o melhor professor que tive, será sempre lembrado por todos os alunos da Faccamp, nosso mestre MISERÁVEL!

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  7. Quando será o próximo?
    Ass. MICHELE.

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  8. Conheci o Vlad quando fui passar umas férias em Salvador, convivendo com ele 2 meses.
    Lembro-me das nossas saídas no alto de Ondina, prais, carnaval...muitas risadas e diversão garantida com ele.
    Na época namorei Carlinhos, um de seus amigos na época.
    Conheci também Isaac, que namorou a minha irmã, Fifa, e não lembro de mais ninguém.Também já faz muito tempo...tinha 17 anos.
    Ele era muito alegre e encantava a todos.
    Contava-nos umas histórias engraçadas, inclusive uma que ele dizia que o seu pai o colocava em cima de um muro e lá de baixo gritava:
    - Se você é homem pula, pula "homão"!
    Quando volte a São Paulo só sabia notícias dele através das cartas que Carlinhos me enviava.
    Quando soube de seu acidente fiquei muito triste mesmo e inconformada.
    Depois não tive mais notícias de ninguém de Salvador.
    Um dia, em São Paulo, combinei de ir num bar com umas amigas, quando uma delas me disse que estava esperando um amigo.
    Quando esse amigo chegou e começou a conversar com aquele sotaque baiano fiquei saudosista lembrando da minha inesquecível passagem por Salvador.
    Quando fui apresentada e ouvi o seu nome, Vladimir,fiquei tão espantada e surpresa que disse a ele:
    - Desce dai "homão"!
    Ele se arregalou o olho e eu disse:
    Eu sou a Cláudia, que esteve em Salvador e namorou om Carlinhos, lembra?
    Aí nos abraçamos e recordamos tudo o que vivemos naquela época!
    Muitas saudades dele!
    Cláudia

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