terça-feira, 24 de março de 2009

Uma questão de fé?


Tenho participado de algumas comunidades do orkut relacionada a câncer. Tenho participado de muitas histórias fortíssimas. Leio nomes de drogas que nunca tinha ouvido falar. Participo de questões específicas de quem vive na pele ou de perto essa doença horrível. Tenho acompanhado algumas questões que nunca havia pensado antes. É um mundo inteiro que se descortina diante de mim.

O impacto disso é imenso, porque me dou conta do quanto minha visão de vida era limitada, apesar de considerar uma pessoa muito questionadora, curiosa a novas culturas, leitora ávida de muitas coisas...mas essa experiencia eu não tinha. Não me questiono o porquê de estar vivendo isso. Não acho que o câncer tem algo de especial no sentido de que ele por si só é transformador, redentor ou que passar por ele é para pessoas especiais. É uma doença dos humanos...todos estamos sujeitos a ela. Tento não moralisar essa doença, nem transformá-la em um ícone de alguma coisa. É uma doença. Mostra que somos mortais e que geramos na nossa vida tudo que precisamos para mantê-la e para destruí-la. Somos assim.

Como do ano passado pra cá tenho frequentado, além desses espaços virtuais também as salas de espera de clínicas e hospitais, acabo conversando com muita gente. Nessas conversas as questões relativas à fé sempre vem à tona. Isso me deixa confusa, questionando qual a minha relação com Deus e com a minha fé. As pessoas me dizem que para Deus nada é impossível. Que quem tem muita fé encontra a cura. Ouço também sobre o quanto devemos pedir, orar, rezar a Deus pedindo que ele nos envie essa benção. Conflitos internos surgem....não consigo definir bem "Deus" em minha vida, embora tenha uma espiritualidade praticante no sentido de buscar a paz, crescimento e evolução espiritual.

Sou mãe de dois filhos que foram muito desejados e amados. Meus filhos nunca tiveram que me pedir nada de joelhos. Não existe absolutamente nada nessa vida que eu não fizesse por eles se pudesse e, achasse que salvaria a vida deles. Confesso que, apesar de todas as faltas que devo ter causado na vida deles, atendo a muitos desejos sem a menor importancia, simplesmente por que não consigo deixar de atender. Imagine se não atenderia algum pedido se isso estivesse relacionado com a vida deles. Me desculpem aqueles que pensam diferente, mas o "meu" Deus não é assim.

Bom...é difícil e polêmico falar sobre isso, mas apesar disso, eu acredito em Deus. Infelizmente não acredito em um Deus que pode salvar meu marido se eu pedir muito isso, e não pode salvar outra pessoa, porque a mesma não pediu tanto. Não acredito em um Deus que salva, porque não acredito em um Deus que condena ou que não salva. A existência de um, implicaria imediatamente na existência do outro. Não acredito nem em prêmios divinos, muito menos em castigos. Queria muito acreditar, pois acho que as pessoas se seguram nisso e se sentem confortadas ou protegidas, e meu marido é do bem, por essa lógica ele estaria salvo.

Meu conforto vem de acreditar que tudo sempre dá certo. Que o câncer não é uma questão de morte, mas sim de sofrimento. Eu não tenho câncer, pelo menos não sei disso. Eu não sei do que, e quando irei morrer. Meu marido está com câncer, ele também não sabe do que, e quando irá morrer. Qual a diferença entre nós dois? A diferença imensa é que ele sofre agora. Ele passa por tratamentos dolorosos. Ele questiona a vida e o que fazer para viver mais e melhor. Mas...eu não deveria estar fazendo o mesmo? independente de estar com uma doença como essa ou não?

O medo da morte é absolutamente humano. Temos a certeza de que iremos morrer desde o início da nossa existencia. Como pode por causa de uma doença (que é horrorosa mesmo) passarmos a achar que estamos em risco de morte? Desde quando não estivemos?

Minha forma de me relacionar com Deus é acreditar que nada está fora de lugar. É acreditar na perfeição da vida. É acreditar que sempre encontrarei forças para caminhar o meu caminho, sempre encontarei acolhimento e possibilidades de revelar aquilo que tem de melhor em mim, e de me transformar...de crescer...de ser uma pessoa melhor.

Assim é a minha fé.

Namastê!

Ludmila Rohr

P.S. Foto no maior templo mulçumano da Índia (New Delhi)

13 comentários:

  1. Oi Ludmila!

    Suas reflexoes são comum a todos nõs pacientes com cancer...Me questionei muito sobre tudo o que escreveu acima e muito mais coisas---------ssssrsrssrsr

    Acho que a fé na cura e na vida, implica fé em Deus, com a doença, conheci a face de um outro DEus, realmente , nao aquela que vai me curar, mas, aquele que me acompanha, que me dá força, que me faz algo muito maior que um amontoado de células....

    no meu blog, escrevi sobre isto nesta semana....

    Deus, esta em nós e tambem a nosso redor nas coisas lindas e deliciosas de ver e viver....

    A luta é para continuar a aproveitar disto tudo.......

    beijos

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  2. Chamo essa presença constante de consciencia. Quanto mais consciente eu estiver, mais verei abeleza da vida, mas compreenderei as dores da vida...quando mais consciente, mas entendo que não estou só, porque não há nada que me separa de outra pessoa, nem mesmo distancia, idade, condição socio-culural...nada nos separa, estamos unidos num mesmo e único oceano de luz. Mas isso só sentimos quando precisamos? ou essa deveria ser uma visão saudavel e diaria de Deus e do outro em nossas vidas?

    Sou uma lutadora...já lutei de várias formas...agora luto no silencio, no cuidado amoroso....brigo muito menos...acolho muito mais..
    Tenho uma imensa fé no que o homem pode fazer, acredito que se alguém (humano) fez algo, eu também posso !

    Um passo de cada vez nesse caminho...
    RENATA, que energias amorosas de envolvam sempre...
    bjo

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  3. Ludmila, como é bom ter alguem que medita e pode expor outras formas de entendimento de Deus, do sagrado, do castigo, da culpa...aprendemos e vivemos nos culpando ou culpando algem pelo que somos ou gostariamos de ser, em suas meditações encontro luz e caminhos mais humanos e possíveis de trilha-los em busca do equilibrio e da paz. Acredito que o Jadson e a minha querida Manoela vencerão esta batalha, continuamos na mesma corrente de energia.Bjo. Nubélia

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  4. Ludmila

    Quando iniciei minha batalha contra o câncer me vi num dilema: ou acreditava em deus e acatava tudo que me traziam e falavam acerca dele ou acabava com a hipocrisia e dizia em alto e bom som que não acreditava em deus.

    Pois bem, fiquei com a segunda possibilidade, assumindo tudo que um ato corajoso desse tipo pode trazer para uma mulher criada em família católica cuja mãe rezava todo dia pela minha saúde.

    Acho que isso me ajudou demais! Passei a ser a agente do meu tratamento, a pessoa ativa na situação, sem ter que depositar confiança em algo que eu não acredito e que me incomodava.

    A fé que tenho é em mim, nas minhas possibilidades, nas minhas atitudes, no meu crescimento diário como ser humano, nas minhas conquistas.

    Um grande abraço, minha nova amiga

    Ana

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  5. Ana,

    Que bom que vc chegou na minha vida!
    Sabe a dica da água tônica? Foi salvadora pra Judson...ele melhorou muuuuito do mal estar.
    Parabéns minha querida por sua luta.
    Um dia vamos marcar pra nos conhecermos.

    bjo

    Ludmila

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  6. Eu acho que o conceito do Deus que perdôa e que concede bêncãos e milagres tem a ver com o cristianismo e o fato de entrega do Filho do Deus pelos pecados dos outros. Talvez Deus exista, mas não dessa maneira e sim da maneira que vc descreve. Independente da existência Dele ou não (eu acredito Nele), vamos mentalizar a cura. Se ela vier em forma de bênção, merecimento ou apenas o curso natural da vida, o importante é que ela (a cura) venha! Te amo e estou orando muito à Deus da minha maneira por meu cunhado. Lali

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  8. Lu,
    a maioria das pessoas com quem convivemos, acredita num deus muito humano e muito moralista, que castiga os que ferem a moral cristã e agracia os que pedem algo com bastante força. Como se tudo viesse de fora e fosse ditado por um grande outro. Tenho uma família católica e já escutei bastante essa cosigna de pedir com força que deus atende...Não posso acreditar nisso...Isso porque, eu acredito num universo que de alguma forma tem uma ordem nesse aparente caos. Acredito nessa força e acredito que em cada pedaço do universo, em cada pessoa, em cada animal, existe algo comum a todos. Acredito no poder da energia que emanamos de nossas mentes e almas e em como isso reverbera em nós e no mundo. Essa força, essa energia, esse todo,esse potencial de vida,essa consciência, isso tudo que não sei bem como é explicar, pra mim é deus, é a suprema compreensão.

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  9. Olá Ludmila, eu quando soube do diagnostico, a primeira vitima de minha furia foi Deus, fiquei de mal dele muito forte! Como assim me deixar tão doente... e lutei contra essa fúria durante quase um ano, depois disso, e de muito sofrimento resolvi fazer as pazes. Hoje sinto Deus em muitos sinais, mas concordo com vc qd diz, por que salva uns e outros não! Por que crianças tem CA, Deus é um cara bacana faz cde tudo para dar certo assim como nós, mas ... em alguns momentos as coisas escapam. Bjs.
    Namastê

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  11. Olá Ludmila, a tempos nossa amiga Ju me fala de você e diz o quanto és especial...
    Acredito que realmente seja uma pessoa daquelas que chamamos de "Iluminadas" é o que realmente senti depois de ter lido alguns dos seus textos...
    Principalmente um que vc começa falando algo que senti quando resolvi sair de salvador e conhecer e morar em outro país...

    "Esse é um momento difícil....arrumar as malas...sair de casa....sem saber quando voltaremos...o que nos espera...o telefone não para, são muitos amigos queridos desejando o melhor dos seus corações para nós nesse momento." me identifiquei muito ao ler logo de inicio essa parte do texto:Karma?...Méritos!

    Hoje sinto muita falta da minha familia que amo tanto e dos meus grandes e verdadeiros amigos que tenho no brasil.Mas acredito que estou aqui por alguma razão e a principal é a minha determinação pelos meus objetivos,é por ele que estou aqui...ou seja quero que ele começe por aqui...risos...para mim,estar longe do meu "porto seguro" foi algo que acredito que precisava como pessoa por várias questões...

    Bem,hoje estava a conversar com ju e estou naqueles dias de saudades e algumas irritações do dia dia...e ler o texto:Uma questão de fé? (que ju mandou) senti uma vontade enorme de abraçar você... e sentir essa sua força...

    Obrigada por suas palavras tão enriquecedoras que nos fazem refletir sobre várias questões sobre a vida...sobre sentimentos...

    Desejo-te muita força e muita luz!
    Um grande abraço.

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  12. Estou absolutamente encantada e grata com tantas manifestações.
    Amo a vida e todas as voltas que ele dá.
    Amo perceber que no fundo , no fundo o que a vida nos pede é entrega, confiaça... e que vivamos um dia de cada vêz.
    DEius é a maior metáfora da própria vida...aceitar a vida é aceitar Deus.

    Kátia, Ju sempre me fala de vc!

    Bjos a todos!
    Ludmila

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  13. Ludmila, depois da morte do meu pai fiquei muito tempo tentando entender essa relação das pessoas com Deus. Como ele ficou 52 dias na UTI, era normal que nos horários de visitas os familiares passassem a se conhecer, a se apoiar e a se ajudar. Recebi muitos santinhos, muitos papéis com orações escritas a mão e, constantemente, ouvia que se eu pedisse realmente com fé Deus salvaria meu pai.
    Sempre fui uma pessoa muito questionadora e essa questão do Deus que salva ou do Deus que condena, como vc colocou, tb nunca me convenceu. Mas acho que isso chega a ser cruel com os familiares, a responsabilidade de ter fé e rezar o suficiente para que seu parente possa ser salvo.
    Hoje, depois da revolta natural pela morte do meu pai, tenho uma relação bem mais tranquila com Deus. Procuro acreditar que tudo o que acontece é para o nosso bem, nem sempre consigo, mas sei que já melhorei muito.
    Ler seu post me deu mais tranquilidade pra vivenciar isso.
    Obrigada!

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Sempre leio todos os comentários e gosto muito de recebê-los!