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O Frio |
Estou morando em Seul, (ou Seoul - se diz como Soul em Inglês), na Korea e, a partir de hoje começo a compartilhar as minhas impressões com voces.
Pra entender a importancia de Seoul não podemos esquecer que ela renasceu de um pós-guerra que a devastou quase completamente. O país depois de 1950 estava destruído e faminto, depois de anos e anos de guerras que acabaram por dividir o país em dois. Moro na Coréia do Sul, que foi apoiada pelos EUA após a Guerra Fria. Um país pequeno, localizado entre a imensa China e o poderoso Japão. Pra quem nasceu no Brasil ouvindo dizer que nós éramos o país do futuro, começo a me dar conta de que o futuro, de fato chegou para os Coreanos, pra nós acabou sendo um promessa jogada ao vento.
Chegamos em uma noite gelada de começo de inverno. Logo as descer no aeroporto me deparo com a beleza do mesmo...lindo.. imenso e extremamente bem sinalizado e eficiente. Sei por um cartaz luminoso que esse aeroporto foi escolhido como o melhor do mundo entre 1700 aeroportos selecionados. Acreditem, é de impressionar mesmo... mas, ele não dá medo... de tão bem planejado, me deixou segura e com a certeza de que eu estava entrando num mundo "que funciona", que não preciso contar com a sorte. Fiquei tranquila.
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Fofinhos |
Os meus primeiros dias tem sido de descoberta, muitas descobertas. Começo a reconhecer alguns sons que se repetem nesse idioma impossível. Começo a descobrir as saudações do dia-a-dia. Muito incrível isso. Descubro que não me sinto pressionada a nada aqui. Ninguém pode me cobrar nada, nem mesmo meu ego, porque minha ignorância aqui é um fato, e não um problema, e isso é libertador.
Como um bebê, começo a descobrir como me relacionar com as pessoas e com as coisas nesse país tão diferente. É uma sensação prazerosa, que me alforria de qualquer cobrança. Muito bom! Sinto que estou liberada pra andar de boca aberta de espanto enquanto olho as coisas..., liberada pra rir de mim mesma quando faço uma "besteira" ... a ignorância total me coloca em um patamar protegido que só as crianças tem direito. Decido fazer um bom uso disso e aventurar... olhar pra tudo com toda curiosidade que tenho direito...e fazer exclamações de espanto sem contenções....e me liberar da vaidade egóica que me cobraria saber o que não sei. Me divirto assim.
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Amanhecer da janela do meu quarto |
As primeiras impressões são incríveis. A cidade é enorme, cheia de gente e, o inverno é frio, muito frio. Nosso primeiro dia foi brindado com a primeira neve desse inverno. Em qualquer direção que olho, vejo pessoas andando para lá e para cá. Preciso explicar que a pertinência desse comentário reside no fato de que antes de vir pra cá, estava morando em Houston, cidade grande do Texas, onde é quase impossível ver pessoas andando nas ruas. Elas estão dentro de seus carros. Aqui elas estão em todo lugar, nos carros, em um trânsito pesado, nos trens do metrô, que cobrem 100% da cidade de Seoul, andando nas calçadas e ruas. Adoro isso!!! Adoro ver gente! Posso passar um dia inteiro sentada em algum lugar apenas olhando pessoas passarem..olhando seu andar, suas roupas, seu gestual, suas expressões...realmente adoro, e percebi logo que isso eu terei em abundância aqui.
Resolvo que sairei a andar livremente pela cidade conhecendo cada cantinho...sem pressa...e com curiosidade infantil. Com a curiosidade daqueles que sabem ver o extraordinário no ordinário. Resolvo que tudo aqui será extraordinário e não é difícil fazer isso. Acho que fiz isso em cada país que visitei...fiz isso nos EUA...farei isso aqui. Está decidido.
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Casamento acontecendo em um shopping |
O contato físico aqui não vem acompanhado de um "I'm sorry" como nos EUA. Cada pessoa que se esbarra sem querer com a gente não pede desculpa por isso. Percebi que esses dois anos que vivi no Texas já foram suficientes para incorporar esse comportamento, percebi que eu aqui me desculpava o tempo inteiro e que ninguém dava bola para minhas desculpas. Parei com isso. Relaxei. Que coisa boa. Os contatos físicos aqui são menos carregados de tensão. Começo a ver que os namorados se abraçam com carinho e trocam olhares apaixonados em todo lugar. O Coreano é um povo romântico!!! Que coisa linda de ver. Os rapazes carregam as bolsas das namoradas no metrô.
A estética coreana é um capítulo a parte. Cheguei cheia de idéias preconcebidas e de informações equivocadas que caíram por terra rapidinho. As mulheres são simplesmente lindas!! Elas são magras, esbeltas, elegantes e estão bem vestidas o tempo todo. Casacos lindos, botas lindas, cabelos e maquiagem bem feitas....elas são show. Muito difícil encontrar alguém com visual descuidado e relaxado. As pernas que são lindas, sempre estão expostas. Saias curtas o tempo todo. Os jeans e camiseta dos americanos dançaram aqui. Elas usam saias, vestidos com as pernas cobertas por meias pretas que valorizam ainda mais a beleza natural. Elas são realmente lindas e elegantes, e tenho a impressão que elas sabem que a estética oriental está na moda. Elas são sexualizadas e alegres, bem diferente das americana que oscilam entre os extremos da histeria e da assexualidade. Diferente também da erotização comum no Brasil, que beira a deselegância.
Esse país que ressurgiu das cinzas em um pouco mais que 50 anos, pobre e faminto, hoje tem o melhor e mais eficiente sistema de transporte público do mundo. Toda Seoul pode ser visitada de metrô. Eles são bem sinalizados, modernos, seguros e limpos. Andando neles (minha grande paixão no momento) vejo cenas fantásticas. Vejo que as pessoas entram, colocam seus pertences em uma prateleira que tem acima das cabeças e sentam. Passam o trajeto inteiro sem checar se a bolsa ainda está lá. Quando chegam ao destino, levantam, pegam seus pertences e saem. Eu, brasileira assustada, fico tensa, olhando, achando que alguém vai me roubar. Será que um dia me curo desse trauma?
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Bonecas do artesanato coreano |
Em uma das minhas andadas fui parada por um grupo de estudantes coreanos para uma entrevista. Educadamente me pediram que perdesse um pouco do meu tempo com eles. Estudavam inglês e tinham como atividade de casa, entrevistar alguém em inglês. Expliquei que meu idioma era o português, mas eles me quiseram mesmo assim. Tive os 15 minutos de contato mais caloroso com estranhos desde que deixei de morar no Brasil. Eles eram doces e educados, perguntavam se eu conhecia alguma marca coreana. Ficaram encantados quando contei que meu último carro era coreano e que havia sido o melhor carro que já tive. Perguntaram se eu já havia andado de metrô e queriam saber como era o sistema de transporte do Brasil. Falamos sobre futebol, sobre a Copa do Mundo...eles só tinham 5 perguntas do homework pra fazer, mas ficamos papeando...e rindo.. eles riam muito de mim e eu deles. Achei isso tão próximo de nós brasileiros. Apaixonei. Despedimos com fotos, em que ficamos corporalmente coladinhos...pude sentir o calor do corpo de uma menina que estava pertinho de mim. Que saudade estava disso depois de dois anos morando nos EUA, onde o espaço físico do outro não deve ser invadido. Fiquei com saudade deles.
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Meus entrevistadores |
Gente... escrevendo agora, me dou conta que quando comecei esse blog estava percorrendo uma jornada dura, na luta contra o câncer do meu marido, esse blog nasceu como uma terapia para mim na época, todos os posts dessa época falam disso; em seguida a jornada morando nos EUA e tudo que aconteceu comigo lá..... e agora percebo que mais uma jornada começa aqui, em Seul na Coréia do Sul... Quero dizer que conto com a companhia de vocês e adoro quando vocês me escrevem e comentam o post. Ficarei contando e refletindo aqui nesse espaço sobre as minhas experiências nesse tempo meu que começa agora. No fim do ano estarei em Bali para o reveillon, e contarei pra vocês como é esse lugar mágico que jamais sonhei conhecer.... e já tenho outras viagens agendadas para logo mais aqui na Ásia.
Conto com a companhia fiel de voces.
Escrevam, comentem...me contem como estão sendo tocados pelo meu blog. Eu agradeço.
Beijos
Ludmila Rohr